Em 2017, o Olabi, organização social que trabalha pela democratização da produção de tecnologia, criou a PretaLab, iniciativa pela inclusão de mais mulheres negras na cena brasileira de inovação.
De lá para cá, a discussão ganhou corpo e passou a ecoar mais no ecossistema e nos departamentos de recursos humanos de empresas de tecnologia de todo o mundo. Ainda assim, os desafios seguem latentes – para não dizer urgentes, dado o aprofundamento da exclusão de nós, mulheres negras, na tecnologia e na inovação ocasionado pela pandemia.
Por isso, o que começou como campanha se consolida hoje como um programa perene que inclui ações de formação, estímulo a políticas públicas e privadas, auxílio a empresas para recrutamento em diversidade & inclusão e produção de materiais como este.
Longe de ser um conteúdo conclusivo, este é um convite à discussão sobre diversidade e representatividade no universo da inovação e, sobretudo, um chamado à ação como passo importante e incontornável rumo a uma sociedade mais próspera e, sobretudo, mais justa.
Evidente nas fotos corporativas, nas videoconferências de tecnologia, nos crachás das startups e nas salas de aula das faculdades de TI e áreas correlatas, a falta de mulheres negras na tecnologia brasileira é praticamente invisível (ou invisibilizada?) nos números oficiais.
Ainda assim, os efeitos dessa distorção relegada às entrelinhas dos dados e das políticas públicas são gritantes: em 2020, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), às mulheres negras foram impostos ganhos 48% menores e quase o dobro da taxa de desemprego na comparação com homens não-negros – tudo isso enquanto uma fatia importante e aquecida do mercado projeta falta de 24 mil profissionais por ano, segundo a própria Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom).
É um quadro de injustiça social, mas não apenas: ao distanciar as mulheres negras do protagonismo na produção de inovação, o Brasil desperdiça oportunidades de avançar econômica e tecnologicamente. Com um ecossistema tecnológico pouco diverso e representativo, o país se mantém refém de tecnologias enviesadas e de soluções menos criativas.
Agrava o contexto o fato de que avanços que vinham sendo ensaiados terem sido perdidos pelos retrocessos trazidos a reboque pela pandemia. Ao mesmo tempo em que foram as que mais perderam seus empregos durante a pandemia, segundo o Dieese em 2020, as mulheres negras também estiveram entre as que mais viram os filhos e as filhas excluídos do ensino online – dois entre três estudantes sem acesso a aulas durante a quarentena eram negros ou indígenas, segundo o Instituto Geledés.
Definitivamente, não é uma situação aceita por nós, mulheres negras, que exigimos que uma eventual superação da pandemia não seja seguida por um retorno à “normalidade”, se ela for marcada pela persistência de disparidades e injustiças. Advoga-se, sim, por um pós-pandemia mais inclusivo e equitativo. Para isso, nos articulamos pela produção de mais dados, de políticas públicas e privadas efetivas e por mudanças que permitam às mulheres negras liderar a construção de conhecimento e de riqueza possibilitada pela tecnologia e pela inovação, como apontam os recortes selecionados a seguir.
Apesar da dificuldade da aferição de dados, a falta de mulheres negras na ciência, na tecnologia e na inovação brasileira é fato. E não se trata de um problema menor.
Representando quase 28% da população brasileira segundo o IBGE em 2018, as mulheres negras representam a maior fatia da demografia brasileira, mas ainda uma parcela muito pequena nos quadros das empresas de tecnologia. Sem números oficiais de fácil acesso e atualizados que retratem a situação, é preciso recorrer a levantamentos setoriais e a iniciativas independentes.
Um exemplo é a pesquisa da Brasscom feita entre 2018 e 2019 com 845 mil profissionais trabalhando em empresas de software, hardware, serviços e comércio de tecnologia. O material constata o que chama de “desproporção de acesso ao mercado de trabalho” no caso das mulheres negras:
Importante em um contexto de falta de levantamentos mais amplos, a pesquisa tem as limitações de não separar mulheres negras e indígenas e de ter uma proporção significativa de profissionais não classificados. Além disso, como diz a própria pesquisa, a tabulação não é específica de profissionais que trabalham “com” tecnologia, mas daqueles empregados “em” empresas do setor.
Em um esforço para tentar suprir a lacuna de dados sobre um setor tão pujante e estratégico, entre 2018 e 2019 a PretaLab e a consultoria de software ThoughtWorks organizaram a pesquisa #QuemCodaBr. Foram ouvidos 693 profissionais de tecnologia no Brasil. As respostas dão um panorama da falta de representatividade do setor:
Embora contribua para pautar o debate sobre diversidade e representação na tecnologia, a pesquisa não tem caráter estatisticamente representativo, nem encerra a necessidade de dados mais amplos sobre a presença de mulheres negras no setor.
Pelo contrário: ao se constituir uma das poucas fontes com este recorte no país, o material escancara como o tema ainda precisa ganhar a devida prioridade na agenda nacional.
Por conta disso, e pelo fato de geração, análise, cruzamento e publicação de dados não serem processos neutros, diversas organizações da sociedade civil têm se coordenado para prover esses dados que tanto faltam ao debate público. É o caso do trabalho realizado por PretaLab, Gênero e Número, data_labe, Mulheres Negras Decidem, Geledés e outros grupos. Dados produzidos e compilados por estas iniciativas, além de informações setoriais e oficiais, foram combinados para formar esta análise.
Como sintetiza a nigeriana-americana Mimi Onuoha, artista, pesquisadora e professora da New York University: “Não é uma surpresa que essa falta de dados normalmente se correlacione com problemas que afetam aqueles que são mais vulneráveis’’. Para ela, a ausência de dados em si é um dado relevante.
Remonta aos bancos da escola, sobretudo aos cursos de ensino superior, o abismo em termos de dados, acesso e representatividade quando se fala em mulheres negras e tecnologia.
"Ser mulher preta e me firmar no mercado de tecnologia foi um grande desafio, principalmente por conflitos internos. Tive bastante dificuldade de aceitar e entender que eu tinha direito de ocupar e tomar posse dos espaços”, relata Amanda Priscila da Silva, desenvolvedora Front End na Thoughtworks.
O relato de Amanda é compartilhado pelas poucas mulheres negras tanto nas empresas quanto nos cursos que tradicionalmente dão acesso às vagas na área de tecnologia – como engenharia da computação, carreira em que apenas 3% das matriculadas tinham o gênero e a cor de pele de Amanda, segundo cruzamento do data_labe com o Censo do Ensino Superior 2019.
Se na graduação o número de ingressantes negras é pequeno, as próximas etapas rumo à formação agravam a perversidade e a desigualdade da corrida de obstáculos que é o ensino superior brasileiro. Dificuldades para se manter e concluir o curso ou, ainda, acesso a programas de mestrado ou doutorado se interpõem como barreiras que, ao fim, determinam uma presença muito abaixo da ideal para mulheres negras em ciência e tecnologia.
E embora as turmas em áreas relacionadas tais disciplinas sejam visivelmente brancas e masculinas, a disponibilidade de dados públicos sobre este fenômeno é inversamente proporcional à gravidade do problema. É preciso se apegar a notas de rodapé ou combinar números de gênero e de raça e cor para desenhar no papel uma exclusão que é mais do que evidente no dia a dia:
Conforme analisa Suelaine Carneiro, coordenadora do Programa de Educação e Pesquisa do Geledés – Instituto da Mulher Negra, o fato de as mulheres terem maior fatia entre os matriculados no ensino superior (55%) cria uma ilusão de que as questões de gênero estão resolvidas na educação.
“Mas a pergunta é: de quais mulheres estamos falando? O que elas escolhem e quem pode escolher? Eu fui para o ensino médio técnico entrevistar estudantes e vi que muitas das escolhas são possibilitadas ou impossibilitadas pela questão racial e pelas condições socioeconômicas’’, explica Suelaine, autora de tese de mestrado sobre o tema.
Dados dos institutos e centros federais de tecnologia, polos públicos de formação de profissionais para esta área, corroboram a análise de Suelaine e mostram que a sub-representação feminina é evidente, como mostra o gráfico acima. E em curso superiores de tecnologia, no geral, o abismo é ainda mais profundo:
E se, por um lado, há importantes lacunas de gênero nos cursos de tecnologia do país, a questão racial também ainda está por se resolver.
Embora as ações afirmativas iniciadas nos anos 2000 comecem a dar resultados, com ampliação expressiva no número de estudantes negros iniciando e concluindo cursos de nível superior nos últimos anos, a lacuna em relação a brancos nas universidades ainda é grande – sobretudo se observada a proporção de professores, como mostra o gráfico abaixo.
Além disso, quando a lupa da cor e da raça é posta sobre estudantes de cursos de tecnologia, a discrepância ainda é a regra.
Por fim, a sobreposição de dados de gênero com os de cor e raça nos cursos de tecnologia permite também inferir matematicamente a baixa presença de mulheres negras nessas cadeiras. Se a proporção de mulheres em cada um dos cursos for a mesma entre estudantes negros e a média de todos os matriculados, chega-se a um percentual aproximado de mulheres negras nessas salas de aula -- com números sempre menores do que 5%.
Embora imperfeita, a análise traz uma referência aproximada do tamanho da sub-representação e, mais uma vez, da gravidade que é a falta de dados oficiais com este recorte.
Exacerbada na formação de tecnologia, a exclusão de mulheres e de estudantes negros é, na realidade, uma condição crônica no sistema educacional brasileiro, como apontam alguns dados de 2018 e 2019 compilados em pesquisa do IBGE:
Longe de relativizar a urgência do tema nos cursos de tecnologia, a apresentação das disparidades na educação como um todo evidenciam o caráter complexo e multifatorial da falta da questão.
No mais, este não é um problema restrito ao Brasil. Nos Estados Unidos, segundo a Fundação Nacional de Ciência, em 2016, os negros equivaliam a somente 6% dos universitários que concluíram cursos nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês) e, em 2017, eram somente 5% dos ocupantes dos cargos de gestão nessas áreas eram ocupados por negros.
Mesmo em um mercado rico e grande como o norte-americano, a manutenção das disparidades mostra que, para corrigir distorções estruturais, não basta crescer o bolo: é preciso mudar a receita. É dessa necessidade que falamos aqui na PretaLab.
Embora a barreira da educação seja relevante e precise ser removida urgente, ela não é a única a travar o protagonismo de negros e, especialmente, negras na tecnologia – e no mercado de trabalho em geral.
Para esta análise, mais uma vez, é preciso desmembrar a questão racial e de gênero, dada a falta de informações combinadas no Brasil, e não apenas no mercado de tecnologia.
Levantamento do jornal O Globo em 2020 apontou que o aumento de negros formados nas graduações de onde saem frequentemente altos executivos no país (como direito, administração e engenharias) não se traduziu num aumento correspondente de líderes empresariais negros e negras. Eles não chegam a 3% dos diretores ou membros de conselhos de administração, segundo pesquisa da consultoria Talenses/Insper consultada pelo jornal. A formação acadêmica, portanto, não é o único empecilho para que haja diversidade e representatividade no mercado.
Sob o prisma de gênero, a escolaridade também não parece ser a única raiz das discrepâncias: mesmo após terem atingido diploma de mesmo nível, mulheres e homens recebem salários diferentes – sendo os delas quase 50% inferior, segundo o Dieese em 2020:
Quando se avaliam profissionais de todos os graus de escolaridade e se analisam os rendimentos agrupados por cor e gênero, os dados do Dieese evidenciam que, no Brasil, ser mulher e negra ao mesmo tempo significa estar na base da pirâmide laboral:
Parte desta deformidade no mercado se explica também pelo tipo de trabalho reservado na sociedade para nós, mulheres negras – o que pode e precisa ser corrigido, por exemplo, com mais acesso nosso ao mercado de ciência e tecnologia.
Enquanto isso não ocorre, nos é imposto, por exemplo, a maior parte do serviço doméstico remunerado feito no país:
Os obstáculos de acesso à educação e ao mercado de trabalho, no entanto, não são as únicas dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras na tecnologia. Mesmo quando contratadas, elas relatam problemas que seus colegas não vivenciam.
Por exemplo, uma pesquisa conduzida em 2001 na Universidade de Howard, nos EUA, constatou que 77% das mulheres negras trabalhando com pesquisa acadêmica afirmam que precisam provar sua competência mais do que seus pares. Uma pressão que gera ansiedade e afeta saúde e produtividade -- especialmente em ambientes de trabalho em que a criatividade é necessária para o bom desempenho.
No Google, uma das poucas empresas que têm compilado dados e se dedicado ao tema, onde as mulheres negras são apenas 1,8% dos funcionários, somos o segundo grupo que mais pede demissão, atrás apenas das mulheres indígenas, segundo relatório da própria empresa de 2021. O índice de “desgaste” da força profissional, que mede a saída de profissionais da empresa, no caso das mulheres negras, é maior do que o dos colegas homens negros, mulheres brancas e homens brancos:
(valores comparados com o índice médio, 100)
Mais do que um caso isolado, ambientes de trabalho adversos para mulheres negras parecem ser uma constante. Uma pesquisa conduzida pelo Pew Research Center em 2017 revelou que 62% dos homens e mulheres nas áreas de Ciência, Tecnologia e Engenharia e Matemática relataram ter sofrido discriminação no trabalho por sua raça ou etnia.
A injustiça social já é razão forte o suficiente para requerer ação urgente para reverter a exclusão das mulheres negras do mercado de tecnologia.
Mas, além disso, o status atual de exclusão ocasiona perdas para a sociedade como um todo:
Um exemplo clássico das limitações impostas pela pouca diversidade por trás das tecnologias é o das primeiras versões de filmes fotográficos, que simplesmente não tinham contraste suficiente para captar rostos negros. A falta de cientistas e técnicos com essa cor de pele por trás dessa tecnologia ajuda a explicar a falha.
Décadas mais tarde, da fotografia para o reconhecimento facial, a heterogeneidade entre quem produz inovação deriva em mais erros, como denuncia Joy Buolamwini, fundadora da Algorithmic Justice League (em português, Liga da Justiça do Algoritmo). Ela percebeu que programas de reconhecimento artificial nem sempre conseguem detectar rostos negros. “A visão do computador usa inteligência artificial para fazer o reconhecimento facial. Você cria uma série de imagens com exemplos de rostos. No entanto, se essas séries não são diversas o suficiente, qualquer rosto que desvie da ‘norma’ será difícil de reconhecer”, disse em um Ted Talk.
É um problema não muito distante da nossa realidade.
Em 2019, o Brasil passou a usar reconhecimento facial na segurança pública. E, após um ano de uso em cinco estados, a Rede de Observatórios da Segurança afirma que ‘‘o reconhecimento facial tem se mostrado uma atualização high-tech para o velho e conhecido racismo que está na base do sistema de justiça criminal e tem guiado o trabalho policial há décadas’’.
Segundo a rede, 90,5% das abordagens e prisões feitas com apoio do reconhecimento facial tiveram como alvo pessoas negras.
Os algoritmos do Google, do Facebook e do Instagram, do Zoom e de outras empresas já foram apontados como racistas por pesquisadores. Safiya U. Noble, professora da Universidade da Califórnia (UCLA), evidencia no livro ‘‘Algoritmos de opressão: como os motores de busca reforçam o racismo’’ o preconceito algorítmico racista e sexista nos buscadores mais usados no mercado.
O Twitter também foi acusado de racismo: na plataforma, em fotografias com pessoas brancas e negras juntas, o algoritmo que faz cortes automáticos frequentemente privilegiava brancos e excluía os negros na hora de selecionar trechos de destaque das imagens. Em resposta, a rede social anunciou em março de 2021 que está experimentando uma nova maneira de exibir imagens em seus aplicativos.
Como resume Silvana, “as tecnologias estão carregadas com as visões políticas, econômicas e culturais de quem as cria – e esse poder hoje está centrado nas mãos de homens, brancos, heterossexuais, classe média/ricos do hemisfério norte. Isso já potencializa uma grande desigualdade, em um mundo cada vez mais digital”.
Na pesquisa #QuemCodaBR realizada por PretaLab e ThoughtWorks, quase a
totalidade dos participantes afirmou concordar que:
Para além de percepções, o benefício da diversidade do ponto de vista produtivo é um fato aferido em estudos como “A diversidade como alavanca de performance”, da consultoria McKinsey. Dados de mil empresas de 12 países analisados pela consultoria americana mostram que empresas com mais diversidade de gênero em cargos executivos têm 21% mais chance de ter lucros acima da média do que as que apresentam pouca diversidade. Em relação à diversidade étnica e cultural, a chance de ter um lucro maior é ainda mais alta, 33%.
Possibilidades de ganhos maiores com a inclusão não se aplicam apenas para empresas, mas também para países. Segundo o Fundo Monetário Internacional, a América Latina e o Caribe poderiam expandir suas riquezas em até 22,5% se dessem mais acesso às mulheres ao mercado de trabalho.
Mas além das vantagens em termos de lucro e produtividade, a diversidade importa também pela representatividade e pelo seu poder transformador.
No Reino Unido, o Institute of Coding (IoC), em pesquisa realizada em 2019, detectou que um em dez jovens de 16 a 18 anos entrevistados afirmou não optar por carreiras digitais devido à falta de pessoas que os representem, e 56% dos entrevistados disseram acreditar que o setor digital do país deve ser mais diversificado e inclusivo.
Em outras palavras, mais mulheres negras na tecnologia inspirarão mais meninas negras a trilharem o mesmo caminho.
Exemplo da relevância que o debate vem ganhando, inclusive do ponto de vista do
marketing, neste ano a fabricante das bonecas Barbie anunciou o lançamento de um
modelo com o rosto de Jaqueline Goes de Jesus, cientista nordestina e negra à frente
do sequenciamento do genoma do coronavírus.
“Representatividade não só para a ciência, mas para os padrões que a gente conhece”, definiu a biomédica em entrevista à época.
Com benefícios evidentes, a representatividade precisa ser trabalhada de maneira intencional – já que intencional também parecem ter sido os esforços sistemáticos por esconder "Imagens de gênero e raça na tecnologia da informação" pessoas negras de certos espaços, como concluiu a pesquisa de Tania Ludmila Dias Tosta e Tatiele Pereira de Souza, ambas doutoras em sociologia.
O trabalho analisou duas revistas brasileiras de Tecnologia da Informação (TI) e um site brasileiro do ramo durante décadas. E encontrou:
Porcentagem de alunos nos cursos de tecnologia em relação ao sexo - 2019
Segundo o estudo, os dados não mostram apenas a sub-representação de mulheres e homens negros, mas também revelam uma crescente redução da participação das mulheres a partir dos anos 1990, “justamente no período em que estudos identificam um novo ideal de profissional e a constituição de novos estereótipos profissionais no campo da tecnologia da informação, corroborando a tese de que a redução da participação das mulheres está relacionada à constituição de estereótipos associados ao universo masculino para a área’’, segundo o estudo.
Neste contexto, iniciativas que promovam a representatividade e o protagonismo das mulheres negras na tecnologia e na ciência não são apenas bem-vindas: são necessárias.
Um exemplo bem-sucedido é o longa “Estrelas Além do Tempo (2016)”, que conta a história de três matemáticas negras que lutaram por espaço na Nasa. Também se destaca o filme Pantera Negra, que apresenta Shuri, irmã adolescente do protagonista e a mente por trás de grandes tecnologias de Wakanda.
Longe de serem detalhes, filmes e narrativas como esses incentivam meninas e mulheres negras a assumirem o protagonismo que podemos ter na área da tecnologia. Não falamos apenas de exemplos. Essas histórias servem como mensagens sobre possibilidades e derrubam mitos ainda persistentes de que trabalhadoras negras, ou mulheres em geral, são menos aptas do que seus pares masculinos na hora de liderar a produção de conhecimento e de tecnologia.
E mais: a representatividade é potente na hora de ensinar que supostas “aptidões” são construídas socialmente e limitam a nossa atuação desde a infância, uma vez que poucos mães e pais sonham que suas filhas se tornem programadoras, ao mesmo tempo em que meninas têm à disposição ainda poucas referências nas áreas de ciência e tecnologia.
Com ganhos indiscutíveis para toda sociedade e, sobretudo, para nós, mulheres negras, a ação pela inclusão no mercado de tecnologia ganha caráter de urgência dados os impactos da pandemia em todos os segmentos mais vulneráveis, em especial o das trabalhadoras negras.
De acordo com análise do Dieese durante o terceiro trimestre de 2020, no auge da pandemia, a taxa de desocupação das mulheres negras atingiu a alarmante taxa de 19,8%, a mais alta entre os grupos demográficos, quando a taxa de desocupação do país era 14,6%.
Mesmo com a recessão em diversos segmentos da pandemia, acreditamos que a resignação não é uma opção. Para projetar mais e melhores oportunidades de presente e de futuro, reivindicamos o direito de se integrar em um mercado que cresce em relevância estratégica e econômica.
Em 2020, a despeito (ou na verdade, em decorrência) da pandemia, cresceu 22,9% no Brasil na comparação com o ano anterior o mercado analisado pela Associação Brasileira das Empresas de Software. Os dados incluem também áreas como hardware, serviços e exportações.
E além da questão econômica, apropriar-se das ferramentas tecnológicas, para nós, é questão de estratégia e de acesso ao poder.
“Se o mundo é cada vez mais digital, se esses saberes são cada vez mais importantes, se o digital é cada vez mais linguagem, e se a gente está fora disso, a gente perde muito poder de intervenção no mundo”, diz Silvana Bahia.
Implementar essa pauta, porém, supõe driblar distorções como a baixa representação das mulheres negras na política. De 2016 a 2020, passou de 5% para 6,3% a presença de negras eleitas nas câmaras municipais. Mas não avançamos em elegibilidade (quantidade de eleitas em relação ao total de candidaturas), conforme análise do movimento Mulheres Negras Decidem.
“A presença de mulheres negras em posições de decisão em organismos públicos e privados corresponde a 3% no cargo de Ministra de Estado (2016), 1% no Parlamento (Câmara de Deputados e Senado, 2014) e 0,5% nas diretorias das 500 maiores empresas no Brasil (2010). Não há nenhuma mulher negra atuando como Ministra do Supremo Tribunal Federal do Brasil”, afirmava em 2016 o dossiê "A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil: violências e violações", produzido pelo Instituto Geledés e pela ONG Criola. Em todo o período democrático no Brasil, apenas cinco mulheres negras foram ministras -- nenhuma delas no governo atual.
Diante da necessidade de ação rápida e das dificuldades de fazê-lo por meio dos mecanismos tradicionais de poder, diversas organizações formadas ou lideradas por mulheres negras, como a nossa, se organizam para lutar contra mais retrocessos e a favor de espaços reais de representatividade e atuação.
No Brasil, além da PretaLab, impulsionam essa agenda iniciativas como o Geledés - Instituto da Mulher Negra, Criola, AfroPython, DePretas, Black Rocks, Blogueiras Negras, Casa Sueli Carneiro, data_labe, Desabafo Social, Diver.ssa, Gato Mídia, ID_BR, InfoPreta, Instituto Marielle Franco, Instituto Mídia Étnica, MariaLab, Minas Programam, Mulheres Negras Decidem, OxenTI Menina, Pretas Hackers, Pretahub, Preta Nerd, Rede de Ciberativistas Negras e UX para Minas Pretas (UXMP), entre outras.
Rumo a um cenário em que inclusão, diversidade e representatividade não sejam aspirações, mas sim uma realidade, o caminho é tortuoso, e a construção precisa ser coletiva. Ela passa por uma articulação da sociedade civil e de governos em diversas frentes, incluindo cursos, estágios, programas de inclusão para mulheres negras em empresas, além de políticas públicas para assegurar mais vagas em universidades e em cargos eletivos. Os veículos de comunicação e de mídia também podem contribuir, dando espaço a referências que estimulem mais meninas e mulheres negras a enxergarem as inovações, a tecnologia e as ciências como campos possíveis e interessantes de atuação.
Com esforços somados e liderados por nós, mulheres negras, será possível formatar uma nova realidade não só melhor para o ecossistema de tecnologia e inovação, mas para toda a sociedade, beneficiada por um contexto de avanços em direitos humanos e em liberdade de expressão.
Estabelecer uma representação de gênero e raça no setor de tecnologia é urgente, e a falta de equidade é um problema. Uma sociedade brasileira verdadeiramente democrática e justa só é possível com a presença das mulheres negras em todos os setores. Coletivamente podemos mudar essa realidade.
Pelo bem da inovação, da justiça social e de todos, as mulheres negras podem e devem, sim, pautar o futuro da tecnologia no Brasil.
Poster Mulheres Negras Pautando O Futuro
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Contar com a PretaLab como parceira em nosso objetivo de desenvolver e empoderar mulheres para reinventarem o mercado de Tech com a gente foi essencial para nos aproximarmos ainda mais do futuro que desejamos, onde a tecnologia é um ecossistema diverso e de equidade.
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A PretaLab têm sido uma parceria chave para promover igualdade racial dentro e fora da Thoughtworks. Através dessa parceria realizamos o ENEGRECER recrutamento expresso, feito por e para pessoas negras, um marco na história da Thoughtworks. Além de uma pesquisa sobre o cenário racial no setor de tecnologia no brasil, que direcionou ações e iniciativas internas para enegrecer a tecnologia.
Com o tempo, percebemos que incluir e aumentar a visibilidade das mulheres negras nas áreas de tecnologia e inovação não seria o suficiente se as empresas não estiverem preparadas para recebê-las!
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